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SOBRE TRAJETOS E SUSPENSÕES, CONSTELAÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Texto do catálogo da exposição coletiva Ressonância(s), 2007

 

 

Por Rosângela Cherem

 

 

Cinco jovens artistas plásticas apresentam seus trabalhos interessadas menos em perseguir  continuidades e mais considerando o difícil propósito de pensar os paradoxos do mundo em que vivem. Assim abordam, de um lado, a questão do eterno movimento do sempre mesmo e, de outro, a busca infinda do que sempre escapa. Recorrendo à tecnologia como meio, evitam contudo as celebrações deslumbradas do suporte e também o sentimento enlutado sobre a contemporaneidade. Longe de reapresentar o mundo, refazendo-o pelos fios da beleza e da felicidade, buscam se tornar fazedoras de mundos concebendo-os como máquinas avariadas e desfuncionadas que colocam o pensamento para sentir e a sensibilidade para pensar. Vejamos como acontecem estas avarias da imaginação.

 

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Apontando um dia que não começa e uma noite que nunca chega, Gabriela Caetano propõe uma seqüência de fotos transformada num  vídeo de cenas fixas e silenciosas, remetendo à eternidade que incide sobre a repetição. Enquanto as imagens congeladas de copas e galhos de árvores em negativo assemelham-se a esqueletos, a contemplação aparece como exercício de supressão de mundo, vazio e ausência. Se um fundo amarelo de painel gótico lembra um além- tela como exterioridade onde tudo parece permanecer imutável, do seu aquém um espectador constata a transitoriedade das imagens, armadilha que  afunda o olho naquilo que foi visto pressentindo que logo tudo acabará esquecido. 

Texto do catálogo da exposição coletiva Des-Retratos, 2009

 

 

Por Rosângela Cherem

 

 

O conjunto de artistas que aqui comparece aparentemente não apresenta unidade poética e nem afinidade de fatura. Contudo é interessante observar alguns elementos comuns que lhes permitem compartilhar um mesmo espaço expositivo. Em primeiro lugar, cada um à sua maneira, evitam o fetiche da arte contemporânea como última novidade, seja ignorando as celebrações deslumbradas do suporte, seja desviando de um sentimento enlutado em relação ao tempo em que vivem. Longe de (re-) apresentar o mundo ou denunciar-revelar a realidade, refazendo-a pelos fios da beleza e da felicidade,  problematizam aquilo que é um dos elementos mais caros de nosso tempo: a imagem. Fazem isto concebendo a obra como um mundo singular, configurado como bloco de afecções e percepções muito particulares que opera como máquina disfuncionada, colocando o pensamento para sentir e a sensibilidade para pensar.

Ponto de partida ou de chegada, meio ou fim, em algum momento de seu processo, todos recorrem à fotografia. Mas recusando o caráter de registro meramente informativo ou documental que reduz a imagem a uma simples figuração ou veículo de comunicação, trata-se da fotografia como parte constitutiva do pensamento plástico, que interroga suas possibilidades num mundo cada vez mais reconhecido pela sua condição cambiante e virtual, num tempo em que tudo parece existir para e através da tela, quando o banal se configura como espetáculo e o espetacular se banaliza em proporções anteriormente inimaginadas.

Preferindo abordar não o olho que fisga a imagem, mas a imagem que fisga o olho, processam e lapidam a matéria onírica, reduplicando as semelhanças coaguladas em novas materialidades, sendo que ao fazer, desfazer e refazer, o vestígio se torna forma modificada e a contra-forma produz nova forma. Assim, a criação imagética projeta as potências que perturbam aquilo que antes era sono e silêncio. Atraídos pelas forças que cintilam à distância e produzem o esquecimento de si, são lançados em direção a um fora que é anterior à decodificação visual, território de estranhamentos e surpresas arrebatadoras, onde aguarda a fenda intransponível que existe entre dizer e ver.

 

GABRIELA CAETANO apresenta um backlight reconhecido pelo anteparo de um véu e que remete aos galhos calcinados de uma árvore destacada pela luz dourada de um dia que não começa e uma noite que nunca chega. Imagem que lembra o silêncio profundo e misterioso de um retábulo, se um fundo amarelo de painel gótico lembra um além-tela onde tudo parece permanecer imutável, do seu aquém um espectador constata a armadilha que afunda o olho naquilo que é visto, suspeitando que algo  lhe escapa.

Sob a forma de sombras ou esqueletos, situa-se um jogo entre a transparência e o inapreensível que afirma a contemplação como uma espécie de exercício de supressão de mundo, silêncio e vazio, ou seja presença de uma aparição. Se o uso da fotografia, como as formas de galhos, são uma constante nos procedimentos desta jovem artista, ocorre um distanciamento da relação cópia-original para problematizar aquilo que vive naquilo que se transforma, sendo que o que se define como imagem é justamente o que persiste quando tudo se ausenta ou acaba, dando prosseguimento ao eterno movimento de distância e proximidade, superfície e profundidade, busca e deriva. Assim sua instalação problematiza uma devolução impossível e assinala a tentativa proliferante daquele que sabe que jamais poderá reparar o perdido. Marca da marca, fica o registro fotográfico como um índice.

Outra questão que esta caixa de luz permite considerar é uma história da arte que problematiza a imagem como desejo de alcançar um fundo, reconhecido no renascimento pelo sfumatto e pela presença das nuvens ou no barroco pela recorrência de panejamentos e espelhos, mas que sempre acaba detido pela impossibilidade de sua materialização. Sendo assim, a lição de da Vinci acerca da ventana della anima e a busca daquilo que cintila no fundo do olho e que dorme no âmago de todas as coisas nada mais é do que um tipo de delírio, posto que o olho é por natureza um órgão que sempre se equivoca, mas também e enquanto isso, imagina e cria. Em seu caráter ilusório de aproximação objetiva do mundo, a arte se apresenta como um oxímoro: jamais pode ser aquilo que afirma, por isto sempre acaba negando aquilo que promete, única estratégia possível para situar-se no mundo e que atravessa sempre o campo do outro.

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Texto do catálogo da exposição individual Objecto Quase, 2009

 

Por Francine Goudel

 

 

Uma imagem que retorna. Perturba.

O problema da imagem que não cessa a latência na mente de quem cria e que acaba precisando ser retrabalhada, resignificada, é frequente em algumas produções artísticas. E é porque esses artistas que assim estabelecem suas produções conseguem desenvolver materialmente essa insistência iminente, se inscrevem nesse espaço de produção da diferença na repetição.

Neste espaço apresentam-se os trabalhos da artista Gabriela Caetano.

Há alguns anos Gabriela vem criando algumas possibilidades para a imagem dos galhos de uma árvore que lhe insiste a observação.

A partir de uma fotografia, num procedimento recursivo, a artista constrói e desconstrói, remonta sensivelmente a imagem, transformando em objetos estéticos.

São objetos/imagem, fragmentos de um registro fotográfico que ao final nos revelam e sutilmente convidam a pensar em outros conceitos que não só o próprio registro em si.

Desta vez, somos apresentados a quatro trabalhos que unificam a produção da artista durante sua pesquisa imagética e que suscitam de algum modo as questões matéricas que ela instala em seu trabalho: como as transparências, o jogo de veladuras ou como a remontagem, a manipulação da imagem formando novos sentidos.

Tais objetos carregam a sutileza da reconstrução da imagem; e longe de seccionar o olhar a estas obras, deixo aqui um primeiro exposto sobre essa produção, que na realidade, assim como a artista busca em sua memória o processo de construção, os que aqui visitam devem também buscar nas suas referências pessoais uma interpretação para esses objetos que vêem e de alguma forma ativar seu imaginário.

 

 

 

FIO DE LUZ

Sobre o trabalho de Gabriela Caetano, 2008

 

 

Por Julia Rocha Pinto

 

 

O retorno à matéria, madeira que torna a ser madeira; é este o prospecto geral de "Fio de Luz", trabalho realizado pela artista Gabriela Caetano em 2008. A artista interferiu em 50 caixas de fósforo convencionais, adicionando ao fundo uma imagem fotográfica de uma árvore registrada somente por meio de galhos secos e transformando o rótulo de modo com que se confundisse com o original.

A série "Fio de Luz" é composta inicialmente por 50 exemplares, porém a artista potencializará seu trabalho colocando-o em circulação através de trocas "invisíveis" das caixas em locais onde o uso é geralmente solicitado; ou seja, haverá um ciclo contínuo de produção das caixas conforme estas vão sendo reinseridas no campo. A multiplicidade será efetivada no contato com o público. A descoberta do trabalho por parte do espectador será inesperada; o contato será realizado através de uma surpresa nem sempre reconhecível. Este encontro do público poderá acontecer por meio de dois caminhos: o contato com a foto localizada no fundo da caixa ou a distinção do rótulo de "Fio de Luz" da embalagem original do produto.

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